(Post publicado no Facebook no dia 17 de março de 2021)
Albert Camus (1913 - 1960) |
Paulo Hebmüller, viajantedoinverso.blogspot.com
Completo hoje um ano de confinamento e home office.
Do ponto de vista pessoal,
mantive saúde e trabalho e não perdi ninguém entre familiares e amigos próximos.
Conheço muitas pessoas que já tiveram Covid-19 e enfrentaram desde sintomas
leves até longos dias de internação e UTI.
E lembro de John Donne, poeta da
virada do século 16 para o 17, que escreveu que nenhum homem é uma ilha, mas sim
“pedaço do continente, uma parte da terra firme”.
Prossegue Donne: “a morte de
qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me
perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Sou diminuído pelas
tantas mortes que me cercam - de pessoas conhecidas, de seus afetos, daqueles
que não conheço e que padecem e padeceram a morte horrenda pelo sufocamento.
Sou
diminuído pela catástrofe de viver num país desgovernado por genocidas e
milicianos, cujas ações nos mantêm em queda livre no abismo. Não há no
horizonte, enquanto esses adoradores da tortura e das armas estiverem no poder,
nenhuma perspectiva que não seja a de enterrar mais mortos a cada dia.
Dos
tantos livros que li nesse ano, provavelmente A peste, de Camus, é o mais
inquietante. Alegoria do nazifascismo, publicado dois anos depois do fim da II
Guerra Mundial, parece descrever exatamente a pandemia dos nossos dias.
Adverte
Camus que “o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca”; no máximo pode
ficar dezenas de anos adormecido, esperando pacientemente a hora de voltar.
A
seguir, uma ou outra das muitas inquietações plantadas por Camus no livro:
“O
mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se
não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade. Os homens são
mais bons do que maus, e na verdade a questão não é essa. Mas ignoram mais ou
menos, e é a isso que se chama virtude ou vício, sendo o vício mais desesperado
o da ignorância, que julga saber tudo e se autoriza, então, a matar. A alma do
assassino é cega, e não há verdadeira bondade nem belo amor sem toda a
clarividência possível.”
“Era preciso esperar ainda. Mas, depois de tanto
esperar, não se espera mais – e a nossa cidade inteira vivia sem futuro.”
“Nesse
momento, o desmoronar da coragem, da vontade e da paciência era tão brusco que
lhes parecia que não poderiam jamais sair desse precipício. Então,
restringiam-se a não pensar mais na libertação, a não se voltar para o futuro e
a manter sempre, por assim dizer, os olhos baixos. Mas, naturalmente, essa
prudência, essa maneira de enganar a dor, de fechar a guarda para recusar o
combate, eram mal recompensadas. Ao mesmo tempo que evitavam esse desmoronamento
que não queriam por preço algum, privavam-se, na verdade, dos momentos bastante
frequentes em que podiam esquecer a peste nas imagens de seu futuro reencontro.
E assim, encalhados a meia distância entre esses abismos e esses cumes, mais
flutuavam que viviam, abandonados a dias sem rumo e recordações estéreis,
sombras errantes, incapazes de se fortalecerem a não ser aceitando enraizar-se
na terra de sua própria dor. Experimentavam assim o sofrimento profundo de todos
os prisioneiros e de todos os exilados, ou seja, viver com uma memória que não
serve para nada.”
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