sexta-feira, 13 de maio de 2022

Astolfo Marques e as promessas irrealizadas da Abolição e da República

Paulo Hebmüller

viajantedoinverso.blogspot.com


O jornalista e escritor Astolfo Marques nasceu em São Luís em 1876, filho caçula da cafuza livre Delfina Maria da Conceição, lavadeira e engomadeira na capital maranhense. Teve seis irmãos e irmãs, mas “não há qualquer referência ao seu pai nos poucos depoimentos existentes sobre a vida do autor”, aponta Matheus Gato, pesquisador e professor da Unicamp.

Marques frequentou, de forma irregular e intermitente, o sistema público de educação e aos 20 anos ingressou como servente na Biblioteca Pública de São Luís, onde conseguiu fazer carreira e construir uma rede de sociabilidade e de contatos que lhe permitiu uma trajetória “exitosa para os padrões regionais”, define Gato.

O pesquisador organizou o livro O 13 de Maio e outras histórias do pós-Abolição (Editora Fósforo), coletânea de contos e artigos publicados por Marques, que tinha 12 anos quando a escravidão foi oficialmente extinta no Brasil e morreu em 1918, aos 42, de tuberculose.



Nos textos da coletânea do maranhense – a maioria publicada na primeira década do século passado, coisa de 15 a 20 anos depois da abolição –, fica clara a rápida reversão do sentido positivo atribuído à data. Nos primeiros aniversários do 13 de Maio, festas populares se juntavam às comemorações oficiais, mas em pouco tempo tanto umas quanto as outras foram rareando, e as pessoas que haviam saído da condição de escravizadas em 1888, chamadas de “treze”, tratavam de desmentir a alcunha e contar outras histórias sobre sua alforria.

Os escritos de Marques também atestam a desilusão com as esperanças despertadas pelas campanhas abolicionista e republicana, sepultadas logo nos primeiros anos da República. As promessas de igualdade, democracia e fim do poder das oligarquias não vingaram desde o nascimento do novo regime, e em mais de um texto aparece inclusive a figura do “tenente Queiroz” – apropriadíssimo nome –, “o delegado terrorista”, a simbolizar o autoritarismo da polícia e, por extensão, das instituições.

Um dos primeiros textos que li hoje, um 13 de maio 134 anos depois daquele, fala de uma mulher negra de 84 anos que por 72 deles trabalhou em condições análogas à escravidão para três gerações de uma mesma família no Rio de Janeiro.

Correm os séculos e os valores tradicionais da família brasileira seguem vigorando. Como se sabe, pesam consideravelmente na hora em que muitos rebanhos nestas terras levam suas escolhas políticas e ideológicas às urnas.

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