segunda-feira, 25 de maio de 2020

Ana Michelle Soares: "Não tenha medo de falar sobre a morte e de estar perto das pessoas que estão indo embora"


Paulo Hebmüller
viajantedoinverso.blogspot.com

Cláudia Collucci, Ana Claudia e AnaMi
(Foto: reprodução de rede social)
As janelas com vista para a fragilidade da vida sempre estiveram abertas, mas estão agora escancaradas no mundo inteiro.
É uma paisagem que a maior parte de nós evita encarar, mas que recebe o inevitável olhar de quem foi chacoalhado mais cedo do que esperava pelas urgências de um tempo que faz questão de se anunciar finito.
A consciência do fim da vida muda tudo”, escreveu a jornalista Ana Michelle Soares em seu livro Enquanto eu respirar, lançado no ano passado pela editora Sextante. AnaMi, como é chamada, recebeu aos 28 anos de idade um diagnóstico de câncer de mama. Aos 32, a doença voltou com metástases, o que a transformou desde então numa paciente sem possibilidade de cura em cuidados paliativos.
O relato que AnaMi faz do que descobriu ao vislumbrar o horizonte da terminalidade não é um rol de lamentações. Há sim reflexões sobre dor, medo e sofrimento, mas seu livro fala de saltos em cachoeira, de perrengues de viagem, de um novo sentido para “Faroeste caboclo”, do inconformismo com as relações vazias, da riqueza da troca com quem de fato se importa – de tantas outras coisas e, jamais por último, da arrebatadora história da amiga Renata, que só não faz chorar quem perdeu o trem para a Estação Humanidade.
É, em resumo, uma sucessão de chacoalhadas em quem ainda não prestou atenção suficiente na paisagem para perceber que o ponto final de todos é o mesmo.
Essa, sim, foi a dor que mais me arrebentou quando descobri a metástase: o que fiz com meu tempo???!!!”, escreve AnaMi no livro. “Com câncer ou não, a vida é para ser legal. Se não está, é preciso entender o que está errado e resolver. Tanta gente saudável que morreu sem ter vivido, sem ter se amado, sem ter se permitido ser feliz. Tanta gente doente que, na dor de se descobrir mortal, decidiu buscar a cura que importa e tem vivido os melhores dias de sua vida. Tem gente que goza de saúde e precisa de mais cuidados paliativos do que eu. (…) Ser saudável nem sempre é ser curado.”
No final do ano passado, AnaMi participou de um bate-papo da série Diálogos Folha com a médica Ana Claudia Quintana Arantes, referência em cuidados paliativos no Brasil e autora de A morte é um dia que vale a pena viver e do recém-lançado Histórias lindas de morrer (ambos também publicados pela Sextante). A conversa, com mediação da jornalista Cláudia Collucci, da Folha de S. Paulo, foi realizada no dia 12 de dezembro de 2019 no Teatro Folha, em São Paulo, à frente de uma plateia lotada na qual havia muitos (e principalmente muitas) profissionais da área da saúde.
A seguir, a incrível conversa das duas Anas:


Cláudia CollucciAcho que um tema central do livro da AnaMi é a forma como profissionais de saúde e a sociedade em geral ainda veem os cuidados paliativos – muito ligados à visão de terminalidade, e não como o cuidado que deve ser destinado ao paciente desde o início do diagnóstico de uma doença incurável, seja ela qual for. A AnaMi coloca isso de uma forma muito clara no livro e relata em primeira pessoa como foi a sua reação quando viu a indicação para tratamento em cuidados paliativos. O que fez você mudar de ideia sobre a função deles?

AnaMi – Boa noite, gente. Obrigado por terem vindo debater esse tema tão simples – que deveria ser tão simples… É uma coisa tão óbvia: todo mundo merece ser cuidado. A gente não precisaria falar disso como se fosse um tabu enorme.
Eu descobri lendo no meu prontuário que tinha o pedido de medicação e um X no paliativo. Minha primeira impressão foi esta – pode falar palavrão neste horário? #deu!
Eu estava de vestidinho vermelho, indo para a balada. Aí você pensa: como é que posso estar terminal desse jeito? Tem alguma coisa errada.
E aí acabei descobrindo tudo sozinha, entendendo o que era isso, pesquisando no “doctor Google”, porque não tive quem me contasse. Acho que não precisaria descobrir sozinha uma coisa que tinha a ver com o meu cuidado.

Cláudia – Esse tabu tem muito a ver com os profissionais de saúde que estão cuidando do paciente, que ficam “segurando” esse paciente quase até o fim antes de encaminhá-lo para os cuidados paliativos…

Ana Claudia Quintana Arantes – Os cuidados paliativos são uma abordagem que favorece não só a qualidade da vida da pessoa, porque você tem a condição de aliviar o sofrimento dela. Em princípio, os cuidados paliativos não poderiam ser negados: quem quer dizer “não” a não sofrer? “Ah, eu quero sofrer, eu prefiro o sofrimento em todas as suas instâncias – física, emocional, social, familiar, espiritual: eu quero sofrer”. Quem fala isso está sofrendo mais do que dá conta.
Quando a gente alivia o sofrimento, o paciente vive mais tempo. É possível que em breve se torne antiético não oferecer cuidados paliativos numa fase mais precoce de doença, porque a pessoa que está com uma doença grave que ameace a continuidade da sua vida quer viver mais – mas também quer viver bem.
Quando chego na vida do paciente numa fase muito tardia e ele melhora de um dia para o outro – porque não é difícil controlar sintomas quando você tem conhecimento técnico para isso –, a família me pergunta: “mas por que não chamaram antes? Por que tem que sofrer três, quatro, cinco anos e só agora se tornou paliativo?”
Há uma visão bastante problemática porque o tratamento oncológico é paliativo, mas o paciente não está em cuidados paliativos: está sob quimioterapia paliativa. E essa quimioterapia paliativa pode trazer transtornos tão intensos, ou até mais intensos, do que a própria evolução da doença.
A gente tem um problema não só cultural, mas de conceito. É preciso educar.

Cláudia – Há muita confusão entre tratamento paliativo, quimioterapia paliativa e os cuidados paliativos…

Ana Claudia – A ideia é que o paciente que está em tratamento paliativo não tem objetivo de cura – e pronto, fica nisso. Mas os cuidados paliativos têm o objetivo de proporcionar uma vida boa, mesmo que a cura não chegue. Então basta que exista uma doença que ameace a vida para que o paciente comece o processo de sofrimento e comece a gestar essa possibilidade de morrer. De onde ele vai tirar recursos existenciais, biológicos, familiares, financeiros e espirituais para poder dar conta dessa luta?
As pessoas dizem: “ah, não chama o paliativo ainda porque não vamos desistir!” Mas ninguém está falando em desistir: a gente está falando em viver. Os pacientes em cuidados paliativos estão vivendo e têm alcance a uma qualidade de vida muito boa.
O motivo pelo qual os cuidados paliativos são negados tem a ver com esse medo de aceitar a morte – é como se você aceitasse a morte e morresse cinco minutos depois. Pura ilusão.
Eu digo que não dá azar falar de morte porque falo disso há 25 anos e não morri ainda. [risos]

Eu sofria pela questão 
do meu tempo: o que eu fiz 
com o meu tempo? 
Esse foi o meu sofrimento 
quando descobri que estava doente – 
e o meu tempo não pode 
ser tratado com quimioterapia
(AnaMi)


Cláudia – AnaMi, o que mudou desde então? Há quanto tempo você está em tratamento paliativo? E há um papel muito importante que você tem desempenhado com as mídias sociais e as suas palestras que é sobre esse empoderamento do paciente. No livro você coloca muito bem o que aconteceu com a Renata – as informações eram negadas a ela, a tal ponto que um dia ela levou um modelo de esqueleto ao consultório e perguntou onde estavam as metástases, e o médico se negou a informar. Depois ainda foi dar bronca quando ela deu o salto na cachoeira em Bonito [MS] porque ela estava com metástase no quadril. É uma situação meio surreal e muito frequente, não é?

AnaMi – Estou tratando há cinco anos, mas acho que o pulo do gato foi justamente que eu entendi que não tinha possibilidade de cura na quimioterapia – não tenho, estou fazendo um tratamento que sei que é para estabilizar a doença, evitar que ela progrida ou qualquer coisa do gênero.
Eu percebia que o meu sofrimento não tinha a ver com a doença, e é o que vejo com a maioria das meninas com quem converso e com os pacientes que me mandam mensagens, não necessariamente pacientes com câncer, embora eu acabe falando mais com esses pacientes. É muito difícil as pessoas falarem para mim: “ah, o meu nódulo cresceu” etc. Não é tanto dos sintomas que elas querem falar, mas sim que a mãe está triste, que está com problema com o filho, que está sofrendo preconceito familiar, que a família não quer falar sobre a doença ou finge que daqui a pouco vai ficar tudo bem.
Eu entendi então que o sofrimento do tratamento ao qual a gente está sendo submetida vai muito além da quimioterapia e acho que o oncologista acaba tendo essa cabeça muito científica apenas. A gente pode usar a ciência de uma forma consciente – e dentro dessa consciência não cabe enxergar só o tamanho do meu nódulo, se ele está crescendo ou diminuindo.
Esse exemplo que você deu da Renata é o que acontece muito. Quando um médico quer ver somente o tamanho da doença, se ela está maior ou menor, só vai te prescrever medicamento. Mas às vezes a dor que a pessoa está sentindo não vai ser tratada com quimioterapia – muito pelo contrário, isso pode até intensificar o sofrimento que ela está sentindo por dentro, que talvez não tenha a ver com o câncer.
O meu sofrimento não tinha a ver com o câncer. O câncer foi um chamado para uma vida diferente. Quem leu o livro sabe tudo o que passei. Eu sofria pela questão do meu tempo: o que eu fiz com o meu tempo? Esse foi o meu sofrimento quando descobri que estava doente – e o meu tempo não pode ser tratado com quimioterapia. Eu não poderia olhar para um médico que só conseguisse me ver considerando se o meu nódulo está pequeno ou grande.
Procurei ajuda de terapeuta, de reiki, de acupuntura… Tudo o que pudesse me ajudar a não sentir todo esse sofrimento. Eu me cerquei de cuidados paliativos, embora não tivesse tido o suporte efetivo de uma equipe de paliativos.
Brinco no livro que eu e a Renata estávamos fazendo cuidados paliativos em nós mesmas porque acho que é isso que muitos pacientes acabam tendo que fazer, já que a gente não tem tantas equipes disponíveis ou os médicos não foram educados a olhar para aquele paciente e dizer: olha, de repente você precisa conversar com uma terapeuta ou talvez você precise conversar com um nutricionista… A gente sofre, tem sofrimentos físicos que às vezes o oncologista acha que é bobeira, que é tudo normal.
Fizemos cuidados paliativos em nós mesmas para reduzir esse sofrimento que a gente estava sentindo, e foi a grande mudança, porque quando você está bem – e não falo só fisicamente –, esse é o primeiro passo. A Renata falava, e até coloquei no livro: “com dor eu não consigo ser eu”.
Primeiro acho que é preciso ter a dor física muito bem manejada. Então eu já não tinha a dor física; nesse ponto estava bem. Era preciso ver o que a minha alma estava falando, por que eu não estava conseguindo ficar em paz, e fui atrás de ficar em paz com isso. Hoje eu tenho suporte de um monte de gente, mas porque fui atrás. Infelizmente não tive ninguém para me falar: “talvez você precise disso, porque você está sofrendo”.

Cláudia – Essa é uma mudança cultural que a gente vai ter que passar, começando pelos bancos das faculdades de Medicina, porque a gente percebe que os médicos não têm ideia ainda disso tudo e da importância de enxergar o paciente de uma maneira mais holística, não é?

Ana Claudia – A gente tem uma limitação bastante severa na universidade em relação a ampliar o olhar médico e científico para além do conteúdo biológico e entender que isso já é uma realidade de ciência, e não uma situação misteriosa, esotérica ou da terapia complementar – todas essas abordagens que a AnaMi citou estão muito bem embasadas cientificamente. O que falta é educação.
Numa situação como hoje, com uma paciente em cuidados paliativos e uma médica que fala da morte – deve ter gente que está aqui que quando contou para a família que viria, deve ter ouvido: “vira essa boca pra lá! Deus me livre!” Você pode dizer isso, mas Deus não vai te livrar. Vai todo mundo morrer! Você pode não querer falar sobre isso: beleza, não precisa tocar no assunto, mas você já vem de fábrica com um aplicativo instalado que uma hora vai ligar e você vai morrer...
A questão de educar vem pela conversa. O que está muito bonito nestes últimos três ou quatro anos – principalmente depois do TEDx, que tem sete anos –, é que tenho sido convidada sistematicamente para falar em faculdades de Medicina. Neste ano [2019], eu dei 115 palestras em faculdade de Medicina, cada uma com uns duzentos, trezentos alunos… Estou multiplicando a ideia quando eles são pequenos, quando ainda têm chance de continuar sendo humanos – eu digo que as pessoas entram humanas na faculdade de Medicina e saem médicos. E atualmente estão saindo doentes, já pularam a etapa de sair médicos. A perspectiva de adoecer durante a faculdade é muito grande. [Dirigindo-se à plateia] Quem é estudante de Medicina aqui? A primeira vida que você tem que salvar é a sua. Guarde essa informação.
Esse processo de mudança e de acesso ao conhecimento está partindo dos estudantes, então está lindo… Eu dei uma palestra em Florianópolis, com 750 alunos, um lugar imenso, e depois uma aluna que tinha organizado me disse: “doutora Ana, tinha vários professores lá e eles estavam muito incomodados com o que você disse”. Eu falei: descobre o que incomodou que eu vou repetir em todas as palestras.

Cláudia – E o que era?

Ana Claudia – Que os médicos não veem os pacientes, não olham os pacientes nos olhos, não respeitam o que o paciente traz para a consulta… O médico sempre faz as perguntas voltadas para o próprio interessem em relação às condutas que tem que tomar, mas a agenda do paciente é outra. A agenda do paciente não é o tamanho do nódulo, mas é se a mãe está lidando bem com o processo ou não.
A não escuta e a prática de colocar a dor como um processo normal – é esperado ter dor, mas não é normal. Se é esperado, preciso me preparar para ela. Se vou esperar você na minha casa, preciso me preparar para te receber.
Temos baixo acesso ao tratamento de dor de qualidade. Eu digo que no Brasil as pessoas não morrem de câncer: morrem de dor, porque, na fase final da doença, de 70% a 90% podem ter dor intensa, que se trata com morfina. “Ah, mas Deus me livre da morfina!”, dizem. Não, Deus te livre da dor!
E a gente tem a morfina para usar, mas os médicos não aprendem. Eu fiz USP e não tive cinco minutos de aula de como usar morfina. A perspectiva é: se você tratar a doença, a dor passa. É isso o que aprendi – então o paciente tem que morrer de dor?
O conteúdo do acesso à informação tem que ser incansável. É como o trabalho doméstico: você acabou de lavar a louça e a pia está cheia de novo.
Falo para todo mundo: não desiste. A gente está conseguindo mudar. Está aumentando o número de faculdades que têm a disciplina de cuidados paliativos, a sociedade está mudando... Não é à-toa que o auditório está cheio.


Você pode não querer falar 
sobre a morte: beleza, não precisa 
tocar no assunto, mas você 
já vem de fábrica com um 
aplicativo instalado que 
uma hora vai ligar e você vai morrer
(Ana Claudia)



Cláudia – E lotou no primeiro dia de inscrição…

Ana Claudia – Antes eu falava para cinco pessoas, e eram cinco pessoas que tinham sofrido muito – profissionais de saúde, técnicos de enfermagem, que estão entre os que mais sofrem, porque às vezes se indica sedação para o paciente que está lúcido e a família diz: “seda, porque eu não aguento ver minha mãe assim”. Está na legenda: “eu não aguento ver minha mãe assim”. Então quem precisa de alívio do sofrimento é a filha. Tem que cuidar do sofrimento, não eliminar o sofredor.
Você tem que entender português: “eu não aguento ver o sofrimento da minha mãe”. Então vamos sedar a sua mãe? Não, vamos cuidar do seu sofrimento, vamos te ajudar a estar do lado dela num espaço em que você permita o protagonismo dela. Não é o seu sofrimento que está valendo, é o dela – mas você se preocupa. É uma construção do dia a dia, na conversa de casa, depois do jantar: “ah, hoje eu fui numa conversa no teatro, ouvi uma história, falaram sobre isso...” Tem que falar. Quando você fala, é como se acendesse a luz do quarto. Não tem fantasma.

Cláudia – Muito dessa mudança dos médicos vem da cobrança dos pacientes, não é? Você relata alguns casos e acho que isso tende a se popularizar mais – e o papel do seu livro nessa questão é fundamental.

AnaMi – Eu sou paciente há oito anos – com metástase há cinco, mas estou nessa vida muito louca oncológica desde 2011. Desde então eu participo de grupos por conta da questão da mulher e do câncer de mama… Há uma coisa de sororidade, nos reunimos, temos um espaço de diálogo.
O que acontece é que, quando a gente vira paciente, é como se perdesse a autonomia. De repente, todos decidem tudo por você: é o seu marido decidindo como vai ser o seu tratamento, onde você vai morar, quem vai cuidar de você etc. De repente o médico decide se vai tirar o seu peito assim ou assado, qual medicação vai usar… É tudo muito passivo, você só fica lá dizendo ok, tá bom.
Na metástase eu já vi uma mudança, algumas pacientes questionavam algumas coisas. Especialmente quando entendi que meu tratamento não tinha mais esse propósito curativo, tive que chegar para o meu médico e falar: ó, é nóis agora aqui. Eu preciso estar nessa decisão também, porque ela diz respeito à minha vida. Nunca deixei que se criasse essa barreira.
Nem contei isto no livro, porque não parecia relevante naquele momento, mas até hoje não sei como é a cara da primeira oncologista em que fui, porque ela não saiu de trás da tela do computador – e era a primeira vez que eu encontrava uma oncologista. Eu já tinha feito a cirurgia, tinha tirado o meu peito e tinha muitas perguntas para fazer. Mas ela só preencheu a papelada de pedido de exame e falou: “vai fazer quimio sim”. Aí eu: ah, tá. Não conseguia nem ousar fazer qualquer pergunta do tipo: qual quimio? Vai ser a vermelha? – porque a gente tem medo da quimio vermelha… Levantei para ir embora cheia de perguntas que não consegui fazer, que ficaram engasgadas. Você fica com vergonha de querer fazer perguntas que parecem idiotas, e aí ela falou: “antes que você pergunte, vai cair o seu cabelo”. Eu nem estava pensando nisso. Queria saber se eu ficar viva, de que cor era a quimio… Coisas que pareciam mais importantes.
Muitos profissionais de saúde julgam o paciente. Isso é contratransferência: você pega os seus valores e tentar resolver a vida da pessoa ou já decidiu o que ela está pensando ou deixando de pensar, o que é bom para ela ou não. Vejo que os médicos fazem isso com um monte de gente.
Eu entrei nessa vida de me expor porque comecei a me incomodar com isso de ouvir histórias que me pareciam muito surreais – tipo uma pessoa deixar de ir em festa de família porque o médico disse que não era legal porque a imunidade está baixa. Pelo amor de Deus, eu sou paciente, sei que é só aplicar um granulokine… Tem jeito, tem o que fazer! Você vai tirar dessa pessoa a possibilidade de fazer o que tem a ver com a vida – a vida é sobre isso, sobre as relações, sobre os eventos aos quais você vai, as experiências que você tem… Então, de repente, um médico tira isso de você. O que ele está tratando? Para onde ele está olhando? Ele está olhando mesmo para a pessoa? Acho que não.
Escrevendo sobre isso, eu quis dar ferramentas para essas pacientes. Elas levantam uma anteninha, anotam e vão perguntar: “ah, então, aquela menina lá do Instagram, ela fez não sei o que, ela viajou...”
Hoje eu recebo muitas mensagens de médicos para me contar como é o comportamento das pacientes. No começo, o povo virava o olho para mim porque eu escolhi o nome PaliAtivas – tão provocativo – e agora elas dizem que são paliativas, que entendem o que isso significa. Chegam no consultório e falam: “eu sou paliativa, né, doutor?” Aí o médico fica lá tipo: “ai, meu Deus…” Olha que louco: é o paciente que está fazendo a comunicação de más notícias agora!
No final isso é uma ironia porque eles me escrevem para falar: “obrigado, você me ajudou” Eu falo: meu querido, você já tinha que saber fazer isso! Não era para a paciente ter que te ensinar, entendeu?
Inclusive, se vocês quiserem, eu sei fazer resgate de morfina, porque aprendi recentemente. Então, já que não tem aula na USP, me contratem…
Enfim, estou brincando porque são coisas tão óbvias que não entendo como alguém entra numa faculdade com o objetivo de cuidar de uma pessoa e sai com o objetivo só de curar… Isso vai dar um supercurrículo, porque aí ele vai poder ostentar aquela “sobrevivente-maravilhosa-guerreira”. Quem não tem essa possibilidade é um fracasso, não vale a pena. O médico da Renata tinha essa visão.

Cláudia – Meio que abandona o paciente?

AnaMi – Abandona mesmo, porque não é a história de sucesso que ele vai poder colocar no currículo e contar nas palestras. Essas são as histórias que não entram nas palestras – só nas palestras da doutora Ana Claudia [risos], porque ela entende o que é a biografia.
E, sobre os pacientes, sempre que vejo uma roda eles comentam: “ah, quando fui diagnosticado, fui na internet procurar alguém que estivesse vivo e, nossa, só encontrava gente que morreu”. E eu falava: e você olhou como foi a vida da pessoa? Porque fica assim: “ah, que horrível, morreu, não quero saber da vida dessa pessoa”. Aí se transforma o morrer em fracasso – você fracassou porque morreu. Não quero ler essa história porque acaba com “ela morreu”.
A história de todo mundo vai acabar assim, queria dar esse spoiler agora…
Olha a história da Renata, por exemplo: vai ser só a história da menina que morreu? Ninguém está preocupado – nem o paciente – em olhar o quanto essa menina viveu? As coisas que ela viveu? A vida incrível que ela teve? Foram 38 muito bem vividos, obrigada. Desses 38, três com metástase, muito bem vividos, obrigada.
As pessoas precisam aprender a olhar para isso e não para o morreu, não serve mais para eu contar a história.

Cláudia – Perguntas que estão chegando da plateia: cuidado paliativo é um nome errado? Não seria correto dar o nome de cuidados de vida? Esses cuidados de vida devem ser dados não só a doentes terminais, mas para todas as doenças crônicas como suporte para saber viver? E qual a diferença entre cuidado integrativo complementar e paliativo?

Ana Claudia – Paliativo vem de pálio, do latim pallium. Era um manto, um cobertor, que podia ser usado para proteger das intempéries os cavaleiros. Isso é perfeito para o que a gente faz: a gente protege das intempéries da evolução de uma doença e do seu tratamento.
Sabe o que intempérie? É tipo: choveu, dançou. Alguém fala: “puxa, o que podemos fazer para evitar chover?” Isso não existe. Chove, e aí você tem que se proteger, tem que usar um guarda-chuva ou uma capa, senão vai se molhar.
Os cuidados paliativos são cuidados de proteção. Mas há uma neura em mudar o nome. Há equipes que mudaram o nome, mas isso dura de quatro a cinco meses, até que as pessoas descubram o que é aquele cuidado. Então pode ser cuidado de suporte, cuidado de conforto, integrativo, continuado, integrado, complementar, especial… Enfim, tudo isso para tentar disfarçar ou maquiar o que é feito.
Eu entro sem filtro: sou paliativista, faço cuidados paliativos. Alguém pode dizer: “ah, mas se você falar assim a pessoa não vai querer”. Azar dela. Não quer viver bem, quer sofrer, é uma escolha…
Não adianta colocar uma maquiagem no nome e não saber o que você faz. Penso que os paliativistas que buscam mudar o nome precisam fazer terapia para ter uma porta, um horizonte em relação a si mesmos.
Decidi fazer geriatria quando pegava mal fazer isso. Me perguntavam: “não é melhor você falar que faz clínica médica especializada em idoso?” Não, bem, eu sou geriatra. Eu sei o que faço e sei o que isso traz de benefício para as pessoas de quem eu cuido.
Não acho que tem que mudar de nome. Acho que a gente tem que trabalhar nesse processo cultural de conversar e falar, e não dizer o que não é. Por exemplo: não pense em elefante branco. O que tem na cabeça de vocês agora? O “não” não é um registro adequado. A gente tem que falar o que é.
Paliativo, na verdade, como diz um amigo, o Leonardo Consolim, é só um sobrenome. O que a gente faz é cuidar. Quer que cuide? Sim? Então são cuidados paliativos. Não é nenhum problema, não tem nada de errado. Estamos vivendo um processo de transição. A sociedade está aceitando isso muito melhor do que os profissionais de saúde, especialmente os médicos.
Acredito que no futuro próximo vamos viver isto: por exemplo, você é um oncologista e vai atender a Ana Michelle. Então você sai de trás do computador e fala: “Ana Michelle, você vai precisar realmente fazer quimioterapia para complementar o tratamento da sua cirurgia. Eu gostaria que você passasse em consulta com a doutora Ana Claudia, que trabalha comigo. Ela me ajuda muito, porque vai promover uma condição muito boa para você dar conta do tratamento, porque eu vou dar a vermelha mesmo. O nosso objetivo é resolver a sua questão com o câncer. A gente vai usar um tratamento potente, e a doutora Ana Claudia me ajuda muito em fazer com que a sua vida seja muito boa apesar da intensidade do tratamento”.
Você tem que saber apresentar os cuidados paliativos. Tem que acreditar no processo. Este é o meu trabalho: é ajudar o oncologista a superar as próprias expectativas de resultado. Se ele só bater e ninguém ajudar a levantar, o jogo acaba rápido.

Cláudia – E você sentiu isso na pele, né, AnaMi?

AnaMi – Literalmente isso. Está acontecendo agora um supercongresso de câncer de mama em San Antonio [EUA], os médicos estão aprendendo um monte de tratamentos, coisas incríveis, maravilhosas, e fico pensando: será que tem uma sala de manejo para o efeito colateral? Porque eles acabam não aprendendo isso. Só querem saber a sigla do negócio ou como faz a prescrição, e aí acho que é incompleto.
Então, já que o médico não tem ou não consegue manejar todas essas esferas de sofrimento, que tenha alguém que o faça. Que o médico fale: “eu não dou conta, eu preciso de ajuda”, e que o paciente não precise correr atrás dessa ajuda sozinho.

Cláudia – Nem todos aqui já leram o seu livro e conhecem a história da Renata. Você pode dar uma resumida?

AnaMi – A Renata descobriu o câncer metastático junto comigo. A gente se conheceu nas redes sociais e fomos nos acompanhando. Eu tenho hoje um oncologista que me dá um suporte surreal. Se ficar um minuto comigo, vai ser um minuto em que ele vai prestar atenção em absolutamente tudo o que estou falando, fazendo ou dando de demanda naquele momento. Mas a Renata não teve isso. Ela perguntou para o primeiro oncologista quantos anos de vida teria. E ele respondeu: “eu não diria nem anos”. Então já foi tudo muito esquisito … Independentemente de ela ter apenas meses… Há muitas formas de dizer, e a bola de cristal dele estava muito esquisita.
Aí ela foi pulando de oncologista para oncologista até chegar nesse médico que no livro eu chamo de Dr. C. Ele tem uma filosofia e acredito que dê muitas palestras sobre isso, o que me deixa muito preocupada. Ele deve falar assim: “eu sou muito legal porque eu deixo as minhas pacientes viverem. Elas não precisam saber nada do que estão fazendo, não têm que saber nome de medicação, têm só que viver”. Ele deve dar um monte de palestras sobre qualidade de vida, só que não olha para as vidas que estão na frente dele, porque ele já decidiu como tem que ser essa vida. Só ele sabe, só ele prescreve, só ele é o detentor dos segredos do universo.
Ele não ouvia a Renata e ela acabou sendo politratada num nível surreal de emendar uma quimio na outra sem nem dar tempo de saber o que estava fazendo efeito ou não. Ele não pedia exame porque precisava economizar para o convênio – estava onerando muito, já que ela era paciente metastática, com a doença sistemática, então tem exame “que não precisa fazer”… E o convênio dela era bom. Então, ele trocava de medicação. Paralelamente, meu médico diz: “a gente está no jogo porque você tem pouca doença. Vamos tentar manter assim porque fica mais fácil de tratar”.
A gente se acompanhou em todo esse processo. A doença dela acabou evoluindo muito rápido, não só por toda essa negligência, mas porque era o histórico da biologia, dos fatos da doença, e ela viveu três anos e meio.
Eu acompanhei o processo de finitude dela. O que me motivou a escrever o livro são as conversas que a gente tinha. A gente teve uma amizade muito diferente das convencionais. As pessoas conversam sobre a balada e eu e a Renata conversávamos sobre a morte.
Isso parece esquisito, mas foram as conversas que mais transformaram a minha vida e a dela. Quando entende que não é imortal, a gente tem uma urgência muito diferente. Foram conversas muito transformadoras desde os nossos primeiros encontros até a sedação dela. Ela escolheu o momento em que queria ir embora – não vou ficar dando spoiler porque senão ninguém vai ler o livro.
Isso era muito legal isso porque a gente ressignificou o tempo que tínhamos. Esse é um exercício que toda pessoa saudável deveria fazer. A vida tem muito mais sentido quando você descobre que ela acaba e que todo tempo precisa ser único.
Para nós, foram três anos e meio de amizade em que todo dia era único. Cada áudio era importante porque podia ser o último, até que foi o último mesmo. Às vezes eu o ouço e vejo só amor naquilo.
Poder estar perto das pessoas de que você gosta até o último suspiro delas é lindo. Vale a pena. Então não tenham medo de falar sobre a morte e de estar perto das pessoas que estão indo embora.

Eu entrei nessa vida de me expor 
porque comecei a me incomodar 
com histórias que me 
pareciam muito surreais – tipo uma pessoa 
deixar de ir em festa de família 
porque o médico disse que não era 
legal porque a imunidade está baixa. 
Pelo amor de Deus… Você vai tirar 
dessa pessoa a possibilidade 
de fazer o que tem a ver 
com a vida – a vida é sobre isso, 
sobre as relações e as experiências
 que você tem… Então um médico tira 
isso de você. Ele está olhando mesmo 
para a pessoa? Acho que não
(AnaMi)




Cláudia – Você chegou a fazer curso de cuidados paliativos. Foi como ouvinte? Você pretende atuar na área?

AnaMi – Foi como xereta mesmo… Na verdade, converso muito com pacientes e, depois da Renata, acompanho alguns processos. Eu fui cuidadora dela e cuidei com instinto mesmo. Fiquei muito feliz porque fiz o curso, via todo mundo ensinado como se faz e dizia: caramba, eu fiz tudo isso! Quando está ali numa entrega de sentimento mesmo, você enxerga a pessoa.
Consegui fazer algumas coisas naquele processo difícil dela, mas eu me preocupava porque virei uma referência numa área em que não sabia profundamente como funcionava o outro lado. Eu vi acontecendo com a Renata os cuidados paliativos exclusivos, que é o que acontece mais na terminalidade, mas não sabia responder o porquê de tudo aquilo, e comecei a ter essa demanda de pessoas me perguntando sobre isso, de pacientes tendo a necessidade de saber como é, o que acontece.
E a pergunta que o médico não responde: “eu estou morrendo?” – eu queria saber responder a essa pergunta, não em termos de prazo, mas sim no que eu falo para essa pessoa para não atrapalhar o processo dela.
Fiz o curso na Casa do Cuidar porque não queria falar besteira. Acho que esta é uma preocupação que todo cuidador e todo profissional de saúde deveria ter: só fazer o que realmente sabe ou o que sente que é realmente necessário, não ficar nadando no raso e achando que está abafando.
Mas não vou atuar, naturalmente. Eu sou jornalista de formação, meu negócio é escrever mesmo, e meu negócio é olhar no olho das pessoas que de repente estão precisando de qualquer palavra ou de qualquer silêncio. Eu queria saber fazer esse silêncio direitinho.

Cláudia – E agora, depois que passou pelo curso, o que você responde quando alguém te pergunta se está morrendo?

AnaMi – O que você acha?

Cláudia – Eu não sei, não teria essa resposta…

AnaMi – Quando a pessoa está no processo, ela dá uma outra resposta: “eu acho que está difícil… Mas agora você está viva. Eu não estou fazendo psicografia, não sou médium, estou conversando com uma pessoa viva. E aí, o que dá para fazer ainda?”
Com a Renata, eu tinha essas conversas loucas… A gente combinou até como ia ser a nossa comunicação depois, porque eu a contratei para ser a fantasma que ia agir em meu benefício [risos]. Você imagina o que é ter uma amiga invisível que atravessa paredes? É demais… Quando você abre a porta para isso, essas viram as melhores conversas da vida.
E as pessoas querem conversar. É tanto tabu que fica aquela coisa esquisita, um ar pesado, e a pessoa está lá – “ah, meu Deus, o povo acha que eu sou trouxa…”
Quando entro num quarto, na maioria das vezes eu não conheço a pessoa, mas ela me conhece – “ah, a menina do Instagram”. Eu chego e falo apenas: me conta tudo. Quero saber tudo! E elas contam. E isso resolve todos os problemas, pelo menos ali naquele momento.
O que posso oferecer hoje, e que tenho muito prazer em oferecer, é a minha escuta.

CláudiaHá uma questão aqui sobre cuidados paliativos domiciliares. Os médicos ainda não conseguem fazer a desospitalização por várias razões, falta de conhecimento etcComo iniciar a mudança de visão na equipe?

Ana Claudia – Uma pesquisa de opinião feita nos Estados Unidos há muitos anos perguntou onde as pessoas queriam morrer, e mais de 90% responderam que queriam morrer em casa. A percepção de morrer em casa traz uma noção de humanidade muito forte, porque você quer morrer naquele espaço do qual você faz parte. Morrer no hospital é uma condição atual, que foi muito deturpada. Na pesquisa, 90% queriam morrer em casa, mas 90% morriam no hospital. Por quê? Na hora em que estava morrendo, achava-se que era uma coisa aguda que poderia ter reversão. Então se levava para o hospital.
Quando você vai cuidar de uma pessoa em casa, tem que ter clareza de que a necessidade de recursos é inversamente proporcional à complexidade humana do processo. Você não está numa UTI, não tem aparelhos, não tem alta tecnologia, então maior é a complexidade humana do processo do cuidado, porque você tem que trazer para aquela família a segurança de que tudo o que for necessário está acessível e de forma rápida, porque a pessoa que está morrendo não tem tempo a perder. Imagina São Paulo numa sexta-feira à noite com chuva… Tem que ter tudo o que é necessário para a pessoa ficar confortável na casa dela.
O que acontecia? Não haver o planejamento do cuidado. A maioria das pessoas fazendo cuidados paliativos em casa são bombeiros, só apagam incêndio. Não pode ser assim. Quem faz cuidados paliativos em casa tem que ter total conhecimento de formação avançada em cuidados paliativos. “Ah, morrer em casa é lindo” – não é. A morte é um dia que vale a pena viver, porém muitas vezes não vale a pena assistir, principalmente quando não se sabe o que fazer com essa questão.
Então, quem quer fazer cuidados paliativos domiciliares tem que ter muita formação. O que acontece hoje? O cara que acabou de se formar e quer ganhar uma grana a mais vai fazer cuidados domiciliares, a enfermeira que não se encaixa em nenhum lugar vai fazer, a psicóloga maluca vai fazer… Aí você vê a família numa baita encrenca, porque as pessoas começam a fazer a contratransferência: o que ela iria querer no seu lugar. Não pode se assim.
A formação está acessível no país. Agora há muitos cursos – aqui em São Paulo tem a Casa do Cuidar, onde a AnaMi fez como ouvinte. Essa formação, que ensina a ter escuta, a usar morfina, a entender o sofrimento de uma filha que fala “eu não aguento ver minha mãe ou meu pai desse jeito”, é algo que coloca você no centro da sua condição, que é a de quem cuida, não a de quem ocupa o lugar de quem sofre.
De novo, o único caminho para isso é a educação. É preciso saber o que fazer, porque o paciente não morre dez vezes, de forma diferente em cada uma. Ele morre uma vez só. Se você fizer malfeito, fica para sempre marcado naquela família. Muitas vezes a família é capaz de superar o luto, mas não é capaz de superar uma palavra mal utilizada pelo profissional de saúde.

Cláudia – AnaMi, várias perguntas para você: como foi a reação da sua família por você ter falado tão abertamente sobre paliatividade, sobre a sua própria terminalidade? Uma enfermeira da Educação Continuada do Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) que dá aula sobre cuidados paliativos para os recém-admitidos na instituição – técnicos, enfermeiros etc. – pergunta: o que você gostaria que eu passasse de mensagem para esses profissionais?

AnaMi – Primeiro, que eles acompanhem efetivamente os pacientes. Neste ano fui internada duas vezes num hospital bacaninha aqui de São Paulo, que tem até curso de cuidados paliativos... Aí você pensa: nossa, agora vou arrasar lá dentro, sou a PaliAtiva, vou ser atendida pelos paliativistas todos… Não foi nenhum, minha filha! Fiquei lá flopada no meu quarto… Falei para pessoas diferentes que queria cuidados paliativos. Me diziam que não, que eu não precisava. Eu dizia: sou uma paciente em cuidados paliativos, então quero a equipe. “Ah, mas não tem indicação”. Mas a indicação é qual?, eu perguntava. Porque essa é a minha condição, minha família está aqui à disposição de vocês para a gente começar esse relacionamento. Estou internando por causa de uma neutropenia, é um ótimo momento para a gente começar um relacionamento. Eu queria conhecer a equipe, a psicóloga, de repente já fazer um vínculo. Mas o hospital decidiu que não era o momento.
As equipes já criam uma burocracia e acho que ninguém está lá lutando pelo paciente; talvez um fique com medo de atropelar o samba do outro… É tanta burocracia e tanta briga que acabam esquecendo da gente lá no quarto pedindo ajuda.
Eu diria: que pelo menos chegue alguém. Vocês têm que chegar desde o diagnóstico: esse é o momento. Muita gente não tem a habilidade que teve a doutora Claudia Inhaia, que cuidou da Renata e conseguiu criar um vínculo com ela em cinco minutos – mas porque a Renata entendia o que estava acontecendo e a gente tinha passado três anos falando sobre cuidados paliativos.
Se vocês tiverem a oportunidade de entrar na vida dos pacientes antes, entrem. Lutem por isso, porque vale a pena. Vai facilitar o trabalho e vocês realmente vão estar salvando a vida e a biografia desses pacientes.

Poder estar perto das pessoas 
de que você gosta até o último suspiro delas
 é lindo. Vale a pena. Então não tenham medo 
de falar sobre a morte e de estar perto 
das pessoas que estão indo embora
(AnaMi)




Cláudia – E como foi falar com a família sobre essas questões?

AnaMi – Então, eles são de boa, né? A minha mãe é minha cuidadora, acompanhante, ela é tipo a quarta PaliAtiva, porque a terceira é a mãe da Renata, que acompanhava tudo. Minha mãe me acompanha em quase tudo, ela assiste a todas as entrevistas, ela lê tudo o que eu posto… Eles foram sendo educados sem eu precisar falar tanto, sem precisar fazer uma coisa superformal do tipo: oi, gente, tudo bem? Eu estou morrendo, vocês querem me falar alguma coisa? Não preciso ficar falando isso para o meu pai toda hora.
Eu criei um ambiente em que todo mundo entende o que tenho e todo mundo respeita o meu espaço. Quando quero falar eu falo, quando estou em silêncio todo mundo respeita o meu silêncio e está tudo bem.
Cada um está administrando de um jeito. Mas tem uma coisa também: eu não vou administrar o problema das pessoas. Cabe a cada um absorver. Eu já tenho o meu próprio problema para administrar. Sou muito tranquila com o que eu tenho, mas não tento salvar todo mundo, salvar o sofrimento da minha mãe, do meu pai, da minha irmã. Se eles querem me falar alguma coisa, estou aqui à disposição para ouvir. Acho que há falas que magoam, que não são necessárias.

AnaMi e Ana Claudia no lançamento de "Enquanto eu respirar"
(Foto: Editora Sextante)



Cláudia – Qual a pior coisa que uma pessoa pode comentar, perguntar ou falar para um paciente oncológico?

AnaMi – Menina, aí eu ia precisar de mais três horas aqui… [risos]

Ana Claudia – Dá pra gente montar um curso: “o que não falar”…

AnaMi – Eu falei para a Ana Claudia que a gente ia criar um curso de cuidados paliativos para oncologistas com ordem formal de reencarnação… [risos]
Gosto que as pessoas falem comigo e não acredito que alguém saia de casa pensando assim: “hoje vou magoar o paciente oncológico”; “minha meta para este dia é falar uma coisa escrota para alguém que está sofrendo”.
Não gosto de pensar que fazem isso porque querem fazer, mas as pessoas têm tabus na cabeça, como a história do “vencedor” e do “perdedor”. Sempre que um paciente está em cuidados paliativos, sem possibilidade de cura, como é o meu caso, a outra pessoa fica insistindo que o problema é comigo, que eu preciso ter mais fé ou que preciso procurar outro médico, porque esse “não está conseguindo”, ou que preciso procurar tal igreja ou qualquer outra coisa, uma planta… Se eu fosse tomar tudo o que já me indicaram… É muita coisa que as pessoas acham, e entendo que por trás dessa fala há um desejo de ajudar por não saber o que fazer.
Se você me der uma dica dessas e eu te falar obrigada, tá bom, é o que posso te oferecer nesse momento Não me cobre porque eu não fui atrás da pilula mágica que cura o câncer, porque aí a pessoa fica com aquilo: “ah, ela não se curou porque não quer; eu já falei, era só tomar a pílula”.
Todo mundo tem uma receita muito pronta e diz que existe engavetada em algum lugar a cura do câncer e que eu preciso brigar para que desengavetem o negócio. É como se eu tivesse a possibilidade absoluta de descobrir, porque é fácil, a indústria é que está escondendo. Ok, tem toda a teoria da conspiração, não vou entrar nesse mérito – mas no que isso me ajuda, meu querido?
O discurso da fé é muito complicado, e eu vivi isso dentro da minha casa, que é uma torre de babel religiosa. Meu pai é evangélico, minha mãe é tudo e mais um pouco – bruxa, tudo –, minha irmã é católica, largou tudo para ser missionária, e eu sou xamânica. E aí cada um tem o seu sagrado que está lá, e é muito melhor do que o meu… O seu sagrado vai me curar, o meu não.
Cada pessoa tem a verdade absoluta e quer que você entre nessa verdade – que é só dela.
Então, não tente colocar para o paciente a sua verdade absoluta, porque é obvio que a gente quer se curar, que a gente quer ficar bem, mas talvez não vá ser na sua igreja, vai ser na minha. Ou vai ser em nenhuma, mas onde eu estou em paz. Não gosto muito dessa coisa religiosa.
Minimizar o sofrimento também acontece bastante. Quando se é mulher, principalmente, todo o nosso sofrimento é transformado em estética, porque o cabelo cai, a gente engorda e emagrece. Se estou gorda é porque estou saudável; magra, estou doente. Sempre está faltando alguma coisa em mim, e isso é muito complicado porque é só uma aparência. Não reduza qualquer coisa que eu esteja sentindo à aparência que eu apresento.
A pessoa que me encontra hoje na rua não vai imaginar que faço quimioterapia todo dia de manhã, que faço um monte de radioterapia, que tenho os efeitos colaterais mais insanos que um ser humano pode aguentar – e a doutora Ana Claudia já acompanhou esses processos. Mas se estou bem vestida ou tenho cabelo comprido, então não estou sofrendo porque estou bonita. A gente acaba fazendo isso com o paciente, reduzindo-o a uma estética. Não reduza ou minimize o sofrimento de ninguém, mas principalmente de paciente oncológico.
Vou dar uma dica – pergunte: “como você está?” E esteja lá para ouvir a resposta, independentemente de qual for, porque aí você vai saber o que a pessoa está sentindo e não vai precisar deduzir com base no que você está vendo.

Cláudia – Há uma pergunta sobre a abordagem de cuidados paliativos não oncológicos, principalmente em idosos demenciados: a literatura é tão deficiente que é difícil estudar o tema.

Ana Claudia – A literatura não é deficiente: é pouca, mas é suficiente para se ter acesso a esse conhecimento. Na indicação de cuidados paliativos de paciente demenciado, tem um monte de gente que fala bobagens homéricas, do tipo: “ah, não tem parâmetro”. Como não tem parâmetro? É porque a pessoa não procurou estudar. A indicação de cuidados paliativos é no diagnóstico de qualquer doença que ameace a continuidade da vida. As pessoas não morrem de pneumonia aspirativa; morrem de demência.
O paciente com demência e o oncológico perdem a autonomia na primeira consulta. Ninguém pergunta para eles o que eles querem, ninguém fala com eles. Uma vez fui atender uma senhora, comecei a examiná-la e a filha não parava de chorar. Eu falei: mas o que aconteceu? Ela respondeu: “faz mais de um ano no que a gente vai em médico e nunca ninguém pôs a mão na minha mãe” – e não era paciente SUS. A família tem até medo de dizer que a pessoa tem diagnóstico de Alzheimer, porque a partir daí o médico não olha mais para o paciente.
Você tem que se direcionar para o paciente porque às vezes ele está online e você não pode pagar o mico de perder a chance de se comunicar quando ele está conectado. As conversas que tenho com pacientes demenciados são surreais. Por quê? Porque eu falo com eles. Não tem nenhum mistério nisso. Olho nos olhos e pergunto: e aí, como você está hoje? Aí eles quase olham pra trás, depois voltam: “é comigo que você está falando?” Porque ninguém fala com eles.
Os cuidados paliativos em primeiro lugar reconhecem que existe uma pessoa ali. Ela está encoberta por uma doença degenerativa neurológica e não sabe mais a sua história – mas você que é da família sabe. As pessoas falam: “ah, meu pai já morreu, minha mãe já morreu, aqui está só o corpo…” Não morreu. Está ali, representa toda a história que você tem com seu pai ou sua mãe. Você tem uma mãe possível e essa mãe possível merece tanto amor quanto aquela idealizada que você sempre sonhou que teria até o final da sua vida.
Os cuidados paliativos no paciente não oncológico são novidade até para o mundo do paliativista, porque a oncologia foi a primeira que os mostrou para o mundo ocidental. No câncer há um sofrimento agudo, intenso e muitas vezes rápido, diferente da demência, que às vezes tem um processo de quinze anos e requer a habilidade de comunicação, de recolher todos os escombros dos diagnósticos das conversas difíceis que os médicos tiveram sem dar atenção ao paciente.
Há doenças como esclerose lateral amiotrófica (ELA), em que o paciente se comunica com os olhos. Eu cuidei de um caso recentemente em que uma das maiores emoções para a família foi na hora em que cheguei na casa e eu fui falar com ele primeiro. Me perguntaram: “mas de qual planeta você desceu? Ninguém faz isso!” Na ELA a pessoa está 100% do tempo ali. Ela não consegue falar, mas está ali. Então você tem que olhar nos olhos dela, como que dizendo: eu vejo você, te reconheço. E aí você compõe todo o processo do cuidado com essa família para que ela não seja um obstáculo para a assistência.
Quando a família sofre, vira família difícil. Não seja uma família difícil, mas uma presente. A família difícil é insegura com o cuidado. Quando você cuida da família nesse processo da demência, ela deixa de ser um obstáculo e passa a ser parceira nos cuidados. Você consegue conduzir todo o processo que está acontecendo e que vai acontecer. Por exemplo: passa sonda ou não? Não é na hora de indicar que você discute esse assunto: tem que conversar muito antes, porque na progressão da doença vai chegar um momento em que o paciente vai ter dificuldade de comer. Como é isso para a família e para o paciente?
O cuidado paliativo não oncológico exige do paliativista uma habilidade muito grande de comunicação com a família. No oncológico, chega um determinado momento em que o paciente está em tanto sofrimento que a família fala: “ok, entendi”. Mas no neurológico o declínio é compatível com o acostumar-se com o processo. Quem tem familiar com doença neurológica avançada sabe que, se no começo do processo dissessem que você iria aguentar o que aguenta hoje, você diria: “está louca?” Mas você teve tempo para se adaptar, e nesse tempo não pode não pensar na possibilidade de manter os cuidados apesar de a doença estar em progressão.
O paciente não vira paliativo do dia para a noite ou porque “chegou a hora”. Às vezes entro num quarto e peço para juntar as mãos da família e fazer uma oração, porque o que há para fazer é isso, de tão tardia que é a indicação.
A recomendação internacional da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, desde 2017, é de que a indicação de cuidados paliativos precisa estar presente em todos os pacientes com diagnóstico de câncer, mas os oncologistas não seguem isso, mostrando que a dificuldade não é a ciência, é a cultura. A ciência já publicou inúmeros artigos para os pacientes não oncológicos. Estão no site da Organização Mundial da Saúde (OMS) de forma aberta, não é preciso pagar para ler. É um acesso fácil à informação, mas a nossa cultura impede que se aceite a necessidade de cuidar do sofrimento.

É preciso saber o que fazer, 
porque o paciente não morre dez vezes, 
de forma diferente em cada uma. 
Ele morre uma vez só. Se você fizer malfeito, 
fica para sempre marcado naquela família. 
Muitas vezes a família é capaz 
de superar o luto, mas não é capaz de superar 
uma palavra mal utilizada pelo 
profissional de saúde
(Ana Claudia)

Cláudia – Há várias perguntas no mesmo sentido: o que vocês pensam sobre essas pessoas que comentam: “ah, você fez o seu câncer porque é pessimista, porque teve uma decepção…”?

Ana Claudia – Isso merece um minuto de silêncio. Quem aqui for paciente um dia e encontrar alguém que disser isso, dê um sorriso de Mona Lisa. A pessoa vai ter perguntar: “o que você acha?” Aí você fala: “não concordo”. Você tem que falar esse “não concordo” com toda a potência de um ponto final.
Isso é uma viagem. Se for verdade, é da conta de quem está falando, porque é alguém que não está vivendo o processo. Responsabilizar o doente pelas mágoas… Quem aqui nunca ficou magoado? Água dá câncer? Todo mundo que bebe água pode ter câncer, e todo mundo que tem câncer bebe água…
Essa condição linear tipo dois neurônios – “ah, câncer de intestino é apego, câncer de pulmão é mágoa…” Pô, se desocupa dessa necessidade de responsabilidade. Você tem que saber o que fazer com a condição que você tem agora. É isso que cabe a nós aqui neste momento. Você está com câncer. E aí? O que dá pra fazer de legal?

AnaMi – Eu respondo isto: não sei. Agora eu estou bem e não estou curada. Se é por causa de mágoa, não estou magoada com nada. O paciente fala muito que não aceita que está doente. Eu falo: não adianta, vai continuar doente. Não dá pra devolver. Não tem o Procon do câncer.
Eu não gosto de brincar de mundos hipotéticos, porque eles não existem. Acabei de receber um exame Foundation, que é um supermapeamento genético que a médica me pediu porque queria entender como era possível eu ainda estar viva.

Cláudia – E onde você tem metástase?

AnaMi – Fígado, ósseo, linfonodo… Tem uns pedaços de mim aí estragados…
Mas a médica pediu porque ela queria entender… A ciência nunca vai entender como é possível os cuidados paliativos ajudarem tanto. É isso que acontece.
Saiu no exame que a minha característica é genética, hereditária. Então tá. Para eu não ter câncer, teria que ter sabido disso com 20 anos, porque aí iria tirar meu peito, sei lá. Mas eu não tinha histórico na família, não tinha por que investigar. Descobri com 28 anos – não é uma idade em que você faça mamografia, porque não tem indicação para isso. Aconteceu.
Essa é a carta do momento: as cartas que eu jogo são sempre as do momento. Eu não sei por que foi em mim, tanto faz. Saber por que foi em mim não vai mudar em nada a minha vida. A questão é o que eu faço agora. Vou administrando: neste momento estou tratando, com a doença ativa, preciso da quimioterapia, preciso fazer vários tratamentos… É isso. Não sei se estava magoada quando descobri. Mas agora não estou. Agora estou bem.

Cláudia – Estão perguntando se você também tem o “Oncocard”... Explica para as pessoas o que é isso.

AnaMi Tenho uma amiga chamada Marina Maior, uma médica, que descobriu o câncer na mesma época que eu. E aí a gente criou um grupo para pacientes chamado Meninas de Peito. E aí ela falava: “cara, eu preciso de Oncocard; a gente tem que passar Oncocard” – é o nosso cartão sem limites para explorar as pessoas.
Oncocard para comer brigadeiro quando não pode: rola; para a amiga matar o trabalho e ficar com você: rola. Às vezes, estou lá em casa, ótima, e fico fazendo uma cara de moribunda. Falo: nossa, eu queria tanto comer um hipopótamo alado… Aí meu pai vai lé e compra. Isso é Ondocard. Eu exploro mesmo, e as pessoas gostam. Às vezes as pessoas não sabem como ajudar, o que fazer – então eu falo que vou usar meu Oncocard.
Uma amiga acabou de postar, vi e dei risada antes de entrar aqui, porque é meu aniversário no final de semana e eu marquei tudo em cima da hora. Falei que ela ainda não tinha confirmado presença e ela respondeu que tinha dois aniversários no mesmo dia. Eu falei: e eles têm uma doença crônica? [risos]. Só pra saber, entendeu?… Para te ajudar a refletir sobre essa decisão.
Brinco com essa coisa do Oncocard para falar que a gente consegue as coisas, um carinho a mais, utilizando a nossa doença.

Ana Claudia – Eu falo que você tem uma excelente forma de fazer com que as pessoas expressem gentileza. Vivi isso quando quebrei o pé. Me perguntavam: “as pessoas te ajudam?” Bom, eu dou chance para elas ajudarem. Se quiserem ser gentis, beleza. Educados todos deveriam ser, mas nem todos conseguem ser gentis. Acho que o Oncocard é uma liberação para as pessoas à tua volta serem gentis.

AnaMi – E elas adoram. Eu moro com uma amiga e às vezes ela diz: “nem vem com esse teu Oncocard furado não!” [risos]. Com algumas pessoas não está colando mais, mas com a maioria cola. Com o meu pai, principalmente… Porque as pessoas não sabem como ajudar, então a gente fez essa licença poética de falar: poxa, pede.
Essa questão do câncer ensina a pessoa a ficar feliz com a felicidade do outro. Muita gente não tem a oportunidade de ser solidário, porque não quer, acha que não precisa ou porque tem ordem formal de reencarnação mesmo. Quando você oferece a essa pessoa a oportunidade de ser solidária e ela faz isso, é uma sensação tão incrível…
Elas ficam muito felizes quando aceitam nosso Oncocard, fazem as coisas e ficam vendo a gente feliz – e então conseguem entender a mágica do que é você ser feliz com a felicidade de utra pessoa. Solidariedade é cura. Eu recomendo. É a coisa mais incrível que existe.

Cláudia – Você fez seu testamento vital – e, se sim, pode compartilhar?

AnaMi – Meu testamento vital é ótimo. Eu tinha no meu computador uma coisa muito formal; recentemente escrevi um texto muito poético e entreguei para a doutora Ana Claudia. Agora ela já sabe tudo o que eu gostaria que fosse feito.
Eu não quero morrer em casa porque não quero descer de elevador morta [risos]. Tenho pavor de pensar nisso, gente. Imagina eu lá, dura – e se a minha alma passa reto… Se não existir um hospice que me receba e que ela esteja acessível para isso, eu prefiro no hospital, cercada de cuidado mesmo.


(Visite o blog Enquanto eu respirar, de Ana Michelle Soares)



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